Passaportes, só com ‘esquemas’ e ‘gasosas’

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Mesmo após a subida dos preços dos emolumentos para a emissão dos passaportes, o Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) continua com dificuldades na emissão. No início do ano, o SME prometeu que os documentos em Luanda seriam emitidos até 15 dias. Há quem esteja à espera desde Janeiro. Há quem até tenha conseguido, mas só depois de ‘esquemas’ e ‘gasosas’.

Ao NG, o SME nega prestar declarações, afirmando apenas estar à espera dos resultados do que está a ser feito para melhorar o quadro actual.

No início do ano, o Governo anunciou a subida das taxas de emissão de passaportes de três mil kwanzas para os 30.500. E até prometeu que, ao contrário do que acontecia anteriormente, em que os passaportes demoravam meses e até mesmo anos para serem entregues, desta vez, o processo seria “mais célere”.

Entre o discurso e a prática, nota-se uma grande diferença, que, inclusive, tem deixado vários utentes agastados e aborrecidos. Como é o caso de António Leandro. O gestor, de 32 anos, pretendia passar as férias de Junho em Lisboa. Por causa do passaporte expirado, em Janeiro, dirigiu-se ao guiché do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) do Serviço Integrado de Atendimento ao Cidadão (Siac), em Talatona, Luanda, para a renovação. Depois de horas à espera, deu entrada do processo, pagando a taxa de 30.500 kwanzas, com a promessa de que seria entregue duas semanas depois. Na data prometida, dirigiu-se ao guiché, mas foi informado que o documento ainda não estava disponível e que era apenas uma questão de dias para receber o passaporte. Os dias transformaram-se em semanas e as semanas em meses, e o gestor continua sem o passaporte e viu frustrado o desejo de viajar. Até escreveu a reclamar, por duas vezes, mas sem sucesso. Agastado, procura ter o passaporte mesmo que isso implique pagar uma ‘gasosa’ por entender ser a via “mais fácil” quando se trata de conseguir documentos.

Há quem esteja na luta há mais tempo. Residente no Lubango, Huíla, Castilho Marcolino ‘luta’ desde Fevereiro de 2018 para a obtenção do passaporte. O comprovativo do SME mostra que o jovem fez o pedido de emissão do passaporte ordinário a 7 de Fevereiro de 2018, com um prazo de entrega de 60 dias. Mais de um ano depois, tenta, a todo o custo, saber as razões para ainda não ter o passaporte. Pedem-lhe apenas paciência.

O estudante do Ensino da Língua Portuguesa, no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda, tinha a intenção de ir a Cabo-Verde fazer um estudo comparado do ensino do português para a tese de mestrado. Devido ao impasse, encontra-se parado e impedido de concluir a tese. Alguém o aconselhou a fazer uma reclamação por escrito dirigida à direcção do SME naquela província. “O mais agravante é que, para apresentar reclamação, tem de se pagar novamente”, lamenta. Pagou uma taxa adicional de 988 kwanzas para o formulário de reclamações, desde Fevereiro. Agastado com a demora, o jovem optou por outros ‘esquemas’, recorrendo a um dos comissários do SME, mas que também ainda não solucionou o problema.

Pela página oficial do SME no Facebook, ‘chovem’ várias críticas e reclamações de utentes que não recebem o passaporte há meses. Evana Angélica afirma ter pago 39 mil kwanzas para tratar um passaporte urgente para o filho. “Dizem que tem duração de sete dias úteis. Já passaram 20 dias nem no sistema deles, nem no posto da emissão consigo encontrar o processo, nem sei mais o que fazer”, escreve. Outra utente, Irma Mendes, afirma ter emitido o passaporte do filho em Maio com a garantia de sair em um mês. “Até agora, nada. Ainda estão a mandar fazer uma carta a reclamar a emissão do passaporte, senão, não sai. Estão a brincar com o cidadão. Eu ia tratar o passaporte se não tivesse necessidade de viajar?”, questiona.

Uma questão de sorte e de ‘gasosa’

Entre os que choram pela demora, há quem sorria e esteja aliviado por, depois de vários meses, ter finalmente recebido o passaporte. Um ano depois e após uma reclamação por escrito, Márcia Rego conseguiu, em Maio, o passaporte para a filha de dois anos. “Tratei a primeira vez em Abril do ano passado, mas, até Abril deste ano, não tinha o passaporte. Apresentei uma reclamação por escrito e, depois de 20 dias, deram-me o passaporte”, conta, ao ironizar que foi por uma “questão de sorte”.

Se para Márcia Rego foi sorte, para Reginalda Roque foi preciso mesmo recorrer à ‘micha’ ou mais conhecido ‘esquema da gasosa’. Com necessidade urgente de ter o passaporte, depois de vários meses de espera, teve de pagar a um dos agentes no posto para agilizar o processo. Duas semanas depois, recebeu a ligação de que o passaporte já estava disponível. Tal como Reginalda Roque, um outro utente, de nome Fragoso, precisou da influência do irmão que trabalha no SME para conseguir ter o passaporte sem ter de esperar vários meses.

A melhorar o quadro

Contactada pelo NG, a directora do Gabinete de Comunicação de Institucional e Imprensa, Teresa Silva, respondeu que sobre o assunto o SME já falou tudo o que tinha de falar e que a direcção-geral decidiu esperar pelos resultados para melhorar o quadro actual para alinhar as acções às necessidades dos utentes. Funcionários do SME, contactados pelo NG, garantem que a situação está a ser normalizada depois da falta de cédulas para a emissão de passaportes.

Por decreto presidencial

Em Janeiro, as autoridades anunciaram alteração das taxas de emissão dos passaportes ordinários, passando de três mil para os 30.500 kwanzas. Na altura, foi justificada com a decisão do Estado de deixar de subvencionar as cédulas para a emissão dos passaportes que têm um custo elevado devido aos elementos de segurança. O preço da produção de cada passaporte custava ao Estado mais de 28 mil kwanzas.

Até foi prometido um trabalho mais célere, pelo próprio director nacional do SME, Gil Famoso, que garantiu que a emissão seria feita em menos de 15 dias para os utentes de Luanda e um mês para os das outras províncias, ao contrário do que acontecia até Dezembro, em que o tempo de espera variava entre um e 12 meses, dependendo da disponibilidade da matéria-prima.

A subida das taxas veio expressa no Decreto Presidencial n.º 21/19, de 14 de Janeiro. Waldemar José, porta-voz do Ministério do Interior, acreditava que, com a subida, aumentaria a arrecadação de receitas para o Estado e que iria “ficar mais fácil encomendar um maior número de cédulas”. Adiantava ainda que os novos preços iriam garantir também a entrega do documento “a tempo e horas”.

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