Covid-19: Munícipes de Viana optaram por caminhar a pé até Luanda

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In front of the Viana railway station, a bus of TCUL (Transporte Colective Urbano de Luanda E.P.) a bus of TURA (Transporte Urbano Rodoviario de Angola, privado) Condongeiros (mini-buses, privado) e viaturas individuales

Com o aperto das forças conjuntas FAA e Polícia Nacional, que fecharam os acessos às principais vias rodoviárias da capital, por causa do Estado de Emergência, centenas de munícipes residentes em Viana e não só optaram, ontem, por andar a pé longas distâncias, para irem atrás dos seus objectivos, como alternativa à escassez de transportes públicos, constatou o Jornal de Angola.

Às 6h00 da manhã, quando a viatura em que seguia transpôs a passagem de nível do CFL, na zona do Millenium, Km 14, em Viana, e acedeu à Avenida Deolinda Rodrigues, o repórter deu de caras com muita gente na paragem de transportes públicos, debaixo da velha, enferrujada e corroída ponte pedonal, em frente ao supermercado Alimenta Angola.

Por ter abrandado a marcha, para captar imagens, uma multidão cercou a viatura, convencida de que o proprietário estava a fazer “puxada”. Sorte foi estar com as portas trancadas, senão algumas pessoas teriam entrado no Hyundai i10. “Vai até aos Congolenses?”, “vai para o 1º de Maio?” indagaram os munícipes que estavam na paragem, à espera de transporte.

À medida que seguia a Avenida Deolinda Rodrigues, em direcção a Luanda, era visível as paragens cheias de pessoas, a gesticularem, com o dedo polegar, indicando a direcção a seguir, sempre que uma viatura se aproximasse.

Enquanto muitos permaneciam nas paragens, acreditando na chegada de um motorista caridoso, que os pudesse levar ao seu destino, centenas de outros optaram por caminhar a pé em direcção a Luanda, uma situação que nos fez recordar o longínquo ano de 2000, em que milhares de residentes de Viana saíam de diversos bairros do município até ao centro da cidade, por falta de transportes.

Alguns homens com mochilas às costas, mulheres e crianças caminhavam à berma da estrada, em grupos repartidos, todos a “lutarem contra o tempo”, a suarem as estopinhas, com o objectivo de alcançarem os vários pontos da cidade de Luanda, principalmente os hospitais, como fez questão de realçar um transeunte, abordado a propósito pelo Jornal de Angola.

O cenário do género foi observado da zona do Alimenta Angola até ao desvio da Frescangol, que dá acesso ao município do Cazenga, através da Deolinda Rodrigues, com muita gente a caminhar a pé, contrastando de longe com o reduzido número de viaturas que circulavam àquela hora da manhã.

Na paragem dos Congolenses não havia viva alma, apenas na Esquadra Móvel da Polícia Nacional estavam dezenas de jovens algemados e sentados no chão do recinto, supostamente por terem cometido delitos criminais, durante o período nocturno de sábado e à madrugada de domingo.

No posto de abastecimento de combustíveis do Catetão, enquanto o repórter pára para abastecer a viatura, uma senhora com cerca de 60 anos e a filha, na casa dos 20, imploravam por ajuda para as transportar à Maternidade Lucrécia Paim.

“Meu irmão, por favor, tenho uma filha que lá se encontra em trabalho de parto, no bloco operatório”, implorava a mulher. Com máscara enrolada na mão, ela exibia o artefacto como prova de que tinha o dispositivo de segurança individual, mas nem isso convenceu algum utente de viatura a levá-las, respondendo com silêncio e desprezo total.

Credencial à mão

No terceiro dia da implementação do Estado de Emergência, a circulação de viaturas e de peões tornou-se difícil. Aos utentes são lhes exigidos a apresentação de credencial, para justificar a movimentação. Nem mesmo o passe emitido pelo Jornal de Angola era suficiente para se movimentar, mesmo estando, ontem, escalado para trabalhar.

Na passagem de nível do CFL, no KM 14, em Viana, viatura patrulha da Polícia Nacional fechou uma faixa de rodagem e colocou cones noutro. Só acedeu à via principal aquele que tinha em mãos uma credencial que justifica a sua movimentação.

Do KM 14 até aos Congolenses, várias barreiras foram montadas, sendo que o passe do Jornal de Angola tinha sido suficiente para passar. Mas, quando chegou à antiga Tourada, no bairro da Calemba, Distrito da Maianga, o cenário mudou. O passe já não era suficiente. Foi exigido ao repórter uma credencial.

“Tudo bem, és jornalista”, disse o sub-inspector da Polícia Nacional, que se mostrou irredutível em abrir a passagem, mesmo diante da identificação. “Senhor polícia, a medida tomada no âmbito de Estado de Emergência não restringe a circulação de jornalistas, quando em serviço”, tentou elucidar o repórter, tendo recebido a seguinte resposta: “nossos chefes nos disseram que só passa quem tem credencial”.

No alto da sua arrogância e falta de respeito à mistura, o polícia gritava para retirar a viatura e com o dedo em riste, indicava o caminho a seguir. Indignado, o autor destas linhas disse: “vou escrever isto, amanhã vai sair no jornal” e aquele respondeu: “Escreva se quiser, não quero saber”.

Cidade fantasma

Ao que tudo indica, os moradores das zonas periféricas de Luanda estão ainda com muitas dificuldades, três dias depois da entrada em vigor do Estado de Emergência, em acatar as recomendações para ficar em casa, no âmbito das medidas de corte da cadeia de transmissão do Covid-19.

Em quase todos os bairros da periferia de Viana, Cazenga e Luanda (Rocha Pinto é um deles), parece haver uma certa resistência das pessoas em acatar as recomendações para o uso de máscara e observar a distância social. Teimosamente e ignorando os efeitos da pandemia, muita gente insiste em estar junto e misturado.

Nos arredores da Maternidade Lucrécia Paim, Hospital Militar Principal e Pediatria, a Polícia Nacional montou um aparato de segurança, no sábado, que impediu, ontem, a presença de familiares e de vendedores ambulantes de comida, água fresca, frutas, fraldas descartáveis e outros artigos indispensáveis aos doentes.

Aquela algazarra de familiares a dormirem ao relento e vendedores, muito comum em frente aos hospitais de Luanda, não foi observado. Na Mutamba, quando eram 10H55 havia quatro pessoas na paragem de autocarro da TCUL. Ontem, de manhã, a Baixa de Luanda parecia uma cidade fantasma.

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