Por: Edy Lobo
Queria antes de mais desejar muita saúde e muitos anos de vida mas o ápice de uma desenvoltura irónica deixar-me-ia bem, nem na foto nem no desenrolar desta missiva com laivos de lugubridade e de algum agradecimento também.
Quando o cota nasceu eu ainda não era vivo nem sequer estava nos planos biológicos dos meus genitores. Tudo o que sei de ti, saudoso cota, é fruto do que a história bem ou mal me soube relatar. Interesses no meio de tudo isto poderão sempre haver alguns mas isto a mim não diz tanto respeito assim.
Num dia como hoje estarias a completar mais um ano de vida. Quis o destino cruel antecipar a tua ida à eternidade. Se há responsáveis pela tua prematura partida, o tempo, os historiadores e/ou os teus detractores, um dia ganharão coragem para confessar.
Hoje graças a este dia estamos a descansar em casa; começamos no sábado e, com as políticas de trabalho que o governo que não deixaste criou, estamos mesmo aqui a curtir nas calminhas mais uma memória do teu aniversário natalício.
Mas cota, estamos mesmo a comemorar aqui o feriado graças a ti mas acredita, não estamos muito felizes. A vida está difícil cota. O pessoal está a bazar do país. Pessoas há que estão a preferir morrer para não viver a sofrer porque aqui, dia vem dia vai, são os impostos que estão a nos perseguir, a fome já é sobrenome da nação, o sorriso é a última careta para não parecer feio na foto da necrologia, porque os músculos faciais só querem andar vincados.
Estava a ler umas tuas “falas” cota e fiquei impressionado com algumas frases que só porque morreste também não querem mais seguir: “O mais importante é resolver os problemas do povo”. Onde estava o cota quando disse isso, que as pessoas que o ladeavam não ouviram e apontaram para não esquecer? Já agora cota, qual povo? Ou o cota estava somente a falar por falar? Esta última hipótese, eu não creio. O cota estudou. Foi médico apesar de também ter sido político e cá entre nós, cota, temos que ser sinceros que nem tudo o que um político diz deve ser tomado com água. Estamos a ser abandalhados. Interesses terceiros estão a ser colocados em primeira instância de alguns particulares, transformando assim a nação de todos, num eterno palco de luta para a sobrevivência.
“Os musseques são bairros humildes, de gente humilde” foi assim que disseste naquele dia há muito tempo mas lamento informar que Luanda é o novo musseque urbano. Água nhete, luz “assim-assim”. Há quem viva ainda nos bairros escuros do mundo sem luz nem vida, tal como uma vez apregoastes. Estamos só já a gerir.
Eu nem devia estar a dizer essas coisas no dia do teu aniversário. É dia de festa embora sem a tua presença. Fizeste a tua parte, a bem ou a mal; acredito que esperavas continuidade dos projectos de luta e estabilização de uma paz efectiva. A paz, que simboliza o calar das armas, essa já temos; agora a guerra é de interesses pejorativos. Isso é outro assunto.
Neste dia, desejo paz à tua alma e que tudo que um dia desejaste para este teu povo, que segundo a história libertastes das masmorras dos colonizadores, seja efectivado. Parabéns primeiro presidente; parabéns pai da nação independente; parabéns poeta maior; parabéns profeta político… profeta porque parece brincadeira, o que uma vez poetizastes que havemos de voltar, está a acontecer. Só nos está a faltar vergonha para admitir.
Até já!
Assinado: Um cidadão sobrevivente.