Aqui não há cafés e bares luxuosos
Nem há jardins dignos deste nome
Não se recepciona carta por correio
Como muitos gostavam de o fazer
O silêncio é barbaramente linchado
E a língua portuguesa é pontapeada
Imensos jovens amados pelo talento
São castigados pela falta de ambição
Profissionais doutorados em ofícios
Kudurizam a vida com álcool mortal
Pessoas com diferentes habilidades
Desprezam grandes oportunidades
Abusando de mentiras esfarrapadas
Porém, há oásis de orgulho bairrista
Em terras, palcos e lugares famosos
Onde pessoas talentosas se exibem
Vizinhos cantam ou insultam piadas
Provocando discussões e agressões
Raparigas que têm gosto de homem
Abortam brincadeiras de pai-e-mãe
Músicas, bebidas e pinchos da cara
Tantas vezes resultam em violência
Mortes a tiro e à facada competem
E roubos e furtos lidam muito bem
Águas pluviais e lixo apaixonam-se
E vivem em união de facto violenta
Inúmeros gatos choram a feiticeiro
Sobre as chapas de casas precárias
Provocando a ira de supersticiosos
Que atacam impropérios de alívio
E ensaiam os palavrões melódicos
Afastando assim a ameaça do mal
As espinhas e ossos bem triturados
Compõem o lixo de fome e pobreza
Entristecem dementes esfomeados
E afugentam cães vadios e raivosos
Chafarizes são monumentos a nada
Os baldes e as rodilhas continuam
Autoclismos assim como chuveiros
São sonhos de pessoas visionárias
Botijas e panelas ao lume sob vigia
Impedem que as cabeças drogadas
Com estômagos a roerem de fome
Saqueiem gente que luta pela vida
As águas nauseabundas e mosquitos
Organizam excursões aos cemitérios
Ratos arrogantes multam habitantes
Devido às baratas e à falta de higiene
Gente a lavar a boca à porta de casa
Panos amarrados e vassoura na mão
Anunciam o começo de um novo dia
Gente com curiosidade pornográfica
Assistindo aos actos sexuais de cães
Fazem das ruas locais de espectáculo
«Xê, desce daí! Seu cão! Ngombiri!»
Privacidade invadida em casa alheia
Pêlos púbis apanhados de surpresa
Por homens que desejam mulheres
Que distraidamente lavam o corpo
Em latrinas ou quintais indiscretos
Há muita resistência às autoridades
E prática de actos de justiça privada
Os polícias agem com agressividade
Ainda que sem motivos para o fazer
Morte é convívio! É emoção! É dor!
É dor no coração com copo na mão
Relatos hilariantes não adormecem
Para consolarem a família enlutada
Sentimentos de pesar pelo falecido:
«Amigo Joaquim, eterno descanso!
Que dor! Chorei tanto a tua morte!
Vou continuar a lamentá-la em casa
Vou levar feijão de óleo de palma
Também vou levar postas de peixe
É que eu gosto muito de peixe frito
Estimulante das glândulas lacrimais
Deste teu amigo visivelmente triste
Venho ao komba, dia do adeus final
Trarei três amigas que choram bem
Fá-lo-ei pela nossa grande amizade»
Ainda em relação ao defunto, diz-se:
«Agora, deixa-me molhar este chão
Com duas cervejas bem fresquinhas
Para te homenagear devidamente»
José Carlos de Almeida