A objetificação da mulher tem sido um tema recorrente na sociedade contemporânea. Pelo menos de acordo com os mais otimistas, cada vez mais existe uma consciência de que uma série de práticas e representações da mulher ao longo dos anos era (e é) estereotipada — e muitas vezes a mulher é apresentada como um mero objeto, seja num anúncio publicitário, num filme ou nos classificados de um jornal.
Anna Uddenberg é uma artista sueca residente na Alemanha que tem explorado esse conceito da objetificação da mulher de uma forma original, criativa e disruptiva. Nascida em 1982, mudou-se em 2009 para Frankfurt para estudar arte.
Nesta cidade alemã onde a prostituição é legal desde 2002, Uddenberg deparou-se com um mundo de publicidade de venda de serviços prestados por mulheres. Um dos termos que a marcaram foi “girlfriend experience” — para quando uma prostituta é contratada para fingir que é a namorada de um cliente, seja num evento ou num ambiente mais privado.
Contudo, a artista também reconhece esse conceito de “girlfriend experience” quando olha para os papéis sociais que muitas vezes as mulheres têm de desempenhar na sociedade — num mundo ainda bastante dominado por homens, apesar de existir uma maior consciencialização e abertura.
Por isso mesmo, no seu estúdio no bairro de Kreuzberg, em Berlim, Anna Uddenberg cria muitas peças que têm em destaque figuras femininas, muitas vezes seminuas, com corpos apelativos (tendo em conta os padrões de beleza determinados pela sociedade) ou em poses acrobáticas que remetem para a sexualidade.
Explorando o conceito da objetificação, distorcendo-o e exagerando-o, visualmente é quase como se fossem produtos prontos a comprar — preparados para utilizar e com atributos físicos ideais (porque são exagerados em relação à norma). Muitas vezes usam calças de ioga, Crocs, itens de marcas famosas, pequenas malas de viagens, copos da Starbucks ou têm tatuagens na parte inferior das costas — uma área corporal muito usada pela artista.
Estas esculturas de arte contemporânea, que visualmente chamam a atenção, tornaram-na numa figura conhecida na área e no circuito das galerias — Uddenberg já expôs em múltiplos países ao longo dos anos e a 28 de agosto foi inaugurada uma exposição em Friedberg que contém peças suas e de outros artistas.
Nos últimos anos, a artista virou-se para um lado mais funcional. A primeira obra neste momento de viragem foi “Pelvic Trust”, de 2017, em que se pode ver uma figura feminina loira mergulhada numa peça abstrata de mobília — e com o rabo de fora. A partir daí, Anna Uddenberg tem vindo a deixar para trás a figura da mulher para se concentrar nestes “móveis” artísticos.
São obras de estética futurista, feitas de materiais que associamos a produtos de luxo — seja o interior de carros caros ou roupas milionárias — mas, quando olhamos para elas, não são nem sofás, nem cadeiras, bancos ou armários. Apesar de relance poderem parecer, tendo em conta os materiais sofisticados utilizados, não são de todo funcionais.
Ainda assim, tal como as figuras femininas, mantêm uma vertente sexual, talvez até relacionado com o sado-masoquismo, embora Uddenberg não goste de descrever o seu trabalho dessa forma. “Sempre que digo sado-masoquismo soa mal porque o meu trabalho não é isso. É sobre controlo”, disse numa entrevista à publicação americana “Vulture”, em 2018. A artista enquadra-as entre o “assustador” e o “sexy”.
Apesar de ser algo com que já se debatia desde a adolescência em Estocolmo, foi na escola de artes alemã que Anna Uddenberg começou a explorar criativamente os temas dos estereótipos de género, da identidade, da sexualidade, do consumismo, dos papéis sociais que todos assumimos de forma inconsciente, num mundo “que se está a tornar cada vez mais falso”, apesar de alguns progressos, defende a artista.
“Na escola de artes, é suposto que as pessoas sejam elas próprias e que sejam autênticas, mas isto soa-me muito estranho porque tu podes ser tantas coisas ao mesmo tempo”, disse Uddenberg na mesma conversa com a “Vulture”.
Na Suécia, tentava fazer como os colegas rapazes e, por exemplo, gabava-se de com quem tinha dormido — mesmo que não fosse verdade. “Ninguém me disse que eu não o devia dizer, que era vergonhoso por eu ser uma rapariga”, recorda. Mas começou a ser mal vista na escola e a ser insultada tanto por colegas como por professores.
A sua reação, em vez de se angustiar ou, pelo contrário, de se retrair e tornar tímida, foi que virou “ultrafeminina”. Anna Uddenberg começou a usar saltos altos, roupas com pêlo e mais maquilhagem. Diz que o fez por ela própria, e que também não agradou a ninguém com essa mudança. “Agora estou a canalizar isto para a minha arte, em vez de para mim própria”, disse, refletindo sobre como os seus pensamentos e emoções levaram ao seu ofício.
Já em Frankfurt, em 2009, depois de se deixar inspirar pela indústria local da prostituição, criou “Girlfriend Experience”, uma performance de vídeo onde Uddenberg categorizava as suas qualificações (já as extrapolando para o mundo em geral e para os papéis sociais das mulheres), como “educação universitária” ou “jeito para o estilo”.
Foi a partir daí que começou a criar as figuras femininas, para que o seu trabalho não estivesse apenas representado na sua pessoa. “Eu queria tirar os trabalhos de mim mesma. Não queria que toda a minha prática fosse apenas em mim.” Uddenberg não tem redes sociais e o seu trabalho é apenas apresentado ao vivo — apesar de nunca demorar muito até as fotografias começarem a aparecer online.