Por: Edy Lobo
Dona Gia, tentei não escrever essa carta antes mas agora é impossível continuar a manter-me calado. As coisas estão cada vez mais apertadas. Se antes já respirávamos pelos balões de oxigénio, cada um com o seu balão, hoje estamos a dividir um balão 4 pessoas. Há cada vez menos ar para sobreviver; menos pão para comer e menos recursos financeiros para continuar a esbanjar de forma irresponsável e imprudente.
Estás mesmo connosco há já 10 anos e é uma das razões que fizeram reflectir muito antes de escrever. Lembro quando foste solicitada pela prima da amiga da minha mãe, aquela senhora que disse que eras responsável. Não sei o que se passa contigo agora. Já falamos contigo sobre algumas falhas que vou aproveitar o momento para esclarecer aqui mas mesmo assim, não sei se é pelo tempo que aqui trabalhas que na tua óptica já se transformou “nas confianças” ou quê, ou é mesmo desleixo da tua parte pelo que usas uma forma indirecta para dizer que já não queres trabalhar.
A semana passada voltaste a manchar uma camisa branca e usaste o pretexto que não sabias que aquela camisola vermelha que estava na água debotava. E onde colocaste a camisa? No lixo. Se não fosse o jardineiro que coitado não tem roupa, a recolhesse do lixo, seria mais uma peça de roupa que passaria pelo esquecimento.
Queimaste, ao engomar, duas calças do meu uniforme do serviço e nada disseste. Todos os anos compramos copos porque o que tínhamos cá em casa nunca partem, só desaparecem. Dos talheres já nem falo. Quando conversamos sobre descontar, choras que é uma coisa louca, dizendo que já ganhas mal e que os teus filhos e netos ficarão prejudicados. Pedes sempre desculpa e prometes não mais fazer. Somos poucos cá em casa mas a comida nunca chega ao final do mês.
Perguntar-te porquê, não adianta. O “ninguém” mora também cá em casa.
Ontem encontrei um saco de açúcar escondido na gaveta; o mês passado o teu saco de lixo estava mais pesado que o habitual; já comes 3 pães ao pequeno-almoço; fazes tanta comida ao almoço para levares o que sobra… em suma, tens feito compras nas minhas compras.
Epah, estou cansado. Eu também não ganho tanto assim. Chega.
É com profunda dor que te escrevo esta carta. O país está cada vez mais complicado. Os impostos, com grande relevância ao famoso “I.V.A.N”, aumentaram e estou a ficar cada vez mais sem dinheiro. Os 60 mil kzs que te pago e menos uma boca nas refeições já vão dar um jeito. Quanto mais se poupar melhor.
Dona Gia, como parece que não é permitido por lei diminuir o salário do funcionário só me resta mesmo mandar-te embora com profunda dor e muita consternação. A minha esposa, a sobrinha e eu, vamos dar um jeito nos afazeres cá em casa que também só limpas bem quando te apetece ou vamos arranjar uma diarista.
Espero que consigas um bom emprego noutro sítio mas para isso, e para o teu bem, mude também de comportamento.
Que sejas feliz!
Assinado: O agora teu ex-patrão.