José Adão Fragoso é politólogo e activista cívico e dos direitos humanos. Antigo funcionário sénior do Secretariado do Conselho de Ministros, nasceu a 14 de Agosto de 1948, na localidade de Kaxikane. Licenciado em Ciências Políticas e Administração do Estado, actualmente é vice-presidente da Fundação 27 de Maio.
“Fui à primeira região e juntei-me à guerrilha que ainda não tinha terminado. Foi lá onde encontrei os comandantes Nito Alves, Bakalof, JAP, Monstro Imortal e tantos outros, na altura liderados pelo actual embaixador de Angola em Cuba, César Augusto Kiluanje. Foi lá onde fiz a formação de comissário político das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola). Entro para o MPLA, porque o processo político e revolucionário exigia de todos nós o engajamento voluntário, que culminaria com a Independência de Angola
Os encontros com Nito Alves são incontáveis, porque sempre que houvesse necessidade estávamos juntos e o cerne da conversa era, essencialmente, os propósitos da nossa luta contra o colonialismo português mas, até então, tais propósitos não se vislumbravam na prática.
Éramos jovens na casa dos 20 anos e tínhamos toda aquela energia e espírito revolucionário. Começamos a preparar as palavras de ordem que seriam proferidas no dia da manifestação, slogans como “Avante o Poder Popular” e o reenquadramento de Nito e Zé Van-dúnem no Comité Central”.
Na madrugada do dia 27 de Maio centenas de pessoas, fundamentalmente jovens, deslocaram-se até ao Palácio. Eu vivia, então, no bairro Popular, na Rua de Sá Viana Rebelo Nº 111, e mobilizei as massas nos bairros e fomos até ao Palácio Presidencial por volta das 8 horas, para, junto do Presidente Neto, não só para persuadi-lo a depurar alguns elementos que emperravam o processo revolucionário em curso, mas também repor a justiça diante da injustiça praticada contra Nito e Zé Van-Dúnem. E quando cheguei ao Largo Hoji-ya-Henda, defronte do Ministério da Defesa, já os manifestantes tinham sido dispersos pelos cubanos aliados à Guarda Presidencial. A manifestação teve muita adesão. Enquanto no Palácio, manifestantes eram dispersados com tiros, havia gente aqui na Mutamba a deslocarem-se para lá.
Depois disso, todos começaram a dirigir-se em direcção à RNA, porque havia informações de que lá havia manifestantes. Não havia um plano prévio para uma concentração na RNA e TPA, pois o único local escolhido era o Palácio Presidencial.
O povo dirigiu-se à Rádio e Televisão onde foi repelido pelas referidas forças transportadas pelos blindados. Saí daí para a minha casa no bairro Popular. Chegado a casa, meu pai lá estava e muito preocupado comigo. Perguntou se valera a pena a manifestação. Eu não o respondi. Começou a queimar todos os papéis e documentos que havia em casa. Eu estava consciente de que o pior estava para vir, porque o MPLA havia declarado que tinha sido frustrada uma tentativa de golpe. No dia seguinte, dois homens fardados bateram à porta e todos membros da minha família já esperavam o pior.
Fui levado ao Ministério da Defesa sem mostrar resistência e consciente de que iria morrer. Permaneci detido por dois dias. Estes foram os dias mais longos de minha vida. O meu primo, que era chefe de um pelotão do Exército, reconheceu-me e gritava que eu era um homem altamente perigoso. Agrediu-me e dizia, em kimbundu, para ter calma. Surrou-me e a mais quatro pessoas. Depois, colocou-nos num camião e levou-nos ao edifício da antiga DISA, localizado defronte ao ex-Parlamento, e colocou-nos numa cela. Depois de uns dias, retirou-nos de lá, sem roupas e com muito frio. Voltou a levar-nos para outro lugar, de que já nem me lembro, onde havia pessoas de confiança que também queria salvar. O camião foi andando connosco (acho que era de madrugada) e chegou às imediações do Golfo, onde nos permitiu a fuga.
No Golfo, consegui chegar a casa da minha irmã e ali permaneci durante 14 meses, até à altura em que, em 1978, em Cabinda, Agostinho Neto proclamou a política de clemência aos sobreviventes do 27 de Maio. Ali apareço, publicamente, como se tivesse saído da cadeia”.