Manuais proibidos “resistem” nas ruas

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A venda ilegal de manuais escolares continua “viva” nas ruas e nos mercados da província de Luanda, apesar da efectivação da “Operação Resgate” e do reforço da fiscalização dos agentes do Ministério da Educação.

(Por Marcela Ganga Mateus)

Os livros do ensino primário, de distribuição gratuita, são facilmente encontrados nos principais mercados da capital do país, colocados em bancadas improvisadas ou em panos estendidos no chão, muitas vezes próximos de esquadras da Polícia.

O negócio é feito à luz do dia, nos mercados do Asa Branca e Kikolo, bem como na zona do São Paulo e noutros pontos da cidade, num claro desafio às autoridades nacionais.

Nestes pontos, há autoridades policiais para combater o negócio, mas a persistência dos vendedores continua a “furar” a estratégia dos agentes da ordem.

Por exemplo, no Asa Branca (município do Cazenga), a venda de livros, principalmente os gratuitos, é feita a menos de um metro de uma esquadra policial.

Devido à abundância de material, o mercado do Asa Branca é um dos principais pontos de concentração de revendedores que adquirem livros em grandes quantidades e baixos preços, para revender a valores exorbitantes no centro da cidade e no interior do país.

Na zona do São Paulo, o cenário é semelhante. O negócio é feito em mais de 75 por cento da sua extensão, mesmo com a presença de fiscais e agentes da Polícia Nacional que timidamente amedrontam as comerciantes.

Apesar da presença de fiscais e polícias, vendedoras circulam com o material proibido sobre a cabeça e nos ombros; outras os escondem em panos embrulhados.

Para ludibriar as autoridades, levam apenas alguns volumes de amostra, enquanto a maioria é depositada em casas de processo, para não pôr em risco o negócio.

Já no interior do mercado do Kikolo, considerado também um dos grandes pontos de venda de material de distribuição gratuita, o comércio é feito com tranquilidade.

A Angop constatou que, em nenhum momento, se verifica a presença da Polícia no local, apesar de, à semelhança do Asa Branca, haver uma esquadra junto do mercado.

Nestes locais, o conjunto de livros da 1.ª e 2.ª classes é vendido no valor de mil kwanzas, enquanto os da 3.ª e 4.ª classes custam três mil. Já os da 5.ª e 6.ª classes custam 3.500 kwanzas.

Já o kit de cadernos de actividades (composto por apenas três livros da 1.ª à 3.ª classe) custa 15 mil kwanzas no mercado do São Paulo, enquanto os da 1.ª e 2.ª classes estão a ser comercializados por 2.500 kwanzas.

O kit de cinco livros da 4.ª custa três mil kwanzas, ao passo que os da 5.ª e 6.ª classes (compostos por oito livros) estão a ser vendidos ao preço de quatro mil.

Ainda no mercado do São Paulo, cinco cadernos pequenos, no formato de meia folha A4, estão a ser comercializados a mil kwanzas, enquanto a mesma quantidade de cadernos no tamanho A4 custa entre dois mil e dois mil 800 kwanzas.

No mesmo espaço, um caderno de mola aspiral, que pode ser usado para 15 disciplinas, está a ser vendido no valor de quatro mil kwanzas.

Para o presente ano lectivo, o Ministério da Educação prevê distribuir 28 milhões e 267 manuais em todo o país, quer para o ensino normal, quer para o especial.

Os manuais actualizados serão distribuídos na ordem de 63 por cento, e os não-actualizados em 37, em todas as províncias e salas de aula.

A actualização dos manuais orçou em 1,1 mil milhões de kwanzas.

Falhas na distribuição

Embora sejam de distribuição gratuita nas escolas públicas, encarregados de educação são obrigados a recorrer aos mercados para a aquisição de manuais.

Lamentam o facto de, há muitos anos, verem os educandos reclamarem por nunca serem contemplados com os livros nas suas instituições de ensino.

O problema é do conhecimento das autoridades do Ministério da Educação, que há anos buscam soluções consistentes para acabar com o desvio de material didáctico.

Os encarregados questionam, igualmente, o facto de, até hoje, aparecerem tantos livros de distribuição gratuita fora do circuito normal (mercado paralelo e ruas), pelo que pedem às autoridades do sector para reforçarem a fiscalização.

Segundo António Fernando, encarregado de educação, em virtude da deficiência no sistema de distribuição das escolas, teve de recorrer ao mercado paralelo para a compra de materiais para os seus três filhos.

Já Antónia Soares avança que, nas livrarias, os preços são muito elevados, daí ter, igualmente, recorrido ao mercado, onde se encontram manuais a preços mais acessíveis.

A também vendedora do mercado do Kikolo mostrou-se indignada com o preço do kit da 9.ª classe, comercializado no valor de 30 mil kwanzas, afirmando que, desta forma, muitos pais ficam sem possibilidades de adquirir o material para os filhos.

Procura satisfaz vendedores

Para quem faz da venda de material educativo nos mercados o ganha-pão para o sustento familiar, o período de começo das aulas torna-se o mais desejado.

Nesta altura do ano, o cenário é de grande procura por parte dos encarregados de educação que, sem opções, acabam por ceder à “tentação” da compra ilegal na rua.

Apesar de se reconhecer a ilegalidade dessa prática, aumenta, diariamente, o volume de livros proibidos nos mercados e nas ruas da capital angolana.

Luísa Machado é uma das vendedoras do mercado do Kikolo e manifesta a sua satisfação pelo aumento de clientes nesta altura do ano.

Sem revelar a proveniência dos manuais que vende, diz tratar-se de um negócio rentável, principalmente nesses dias que antecedem o começo do ano lectivo.

Neste período, de acordo com a vendedora, os livros mais difíceis de se encontrar são os cadernos de actividade do ensino primário e os da 7.ª classe em diante.

Domingas Manuel, vendedora na zona do São Paulo, diz que, apesar dos riscos, a venda de material escolar proibido compensa no final do dia.

Já Rosa da Conceição, vendedora no São Paulo, lamenta apenas o facto de, nalgumas ocasiões, perder o produto aquando das operações da Polícia e da Fiscalização.

Adianta que, quando assim acontece, perdem grandes quantidades de produto, representando um grande rombo nos planos financeiros.

Polícia nega passividade

Conquanto seja criticada pela população, devido à venda ilegal de livros à volta dos seus postos oficiais, a Polícia nega estar a ser passiva no combate a essa prática.

Waldemar Paulo, director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Ministério do Interior, promete que vão afinar os mecanismos para contrapor a venda ilegal, procurando descobrir a origem e levar os responsáveis às barras do tribunal.

Na óptica do oficial, o combate deve começar pelo fecho das fontes de distribuição dos manuais escolares nos mercados paralelos. “Só assim se poderá pôr fim à venda nestes locais”, expressa.

O responsável adianta que a luta será inglória se não se fechar “a torneira” a partir da fonte, na medida em que “os revendedores nos mercados são apenas a ponta do iceberg neste processo de venda de material escolar nos mercados”.

No âmbito da “Operação Resgate”, o oficial avança que deverão ser criados mecanismos e acções concretas para combater a venda ilegal de material escolar nos mercados.

Lamentos no ensino privado

Se, para os encarregados de educação e pais de crianças matriculadas em instituições públicas o princípio de cada ano lectivo tem sido uma dor de cabeça, o cenário é quase de “terror” para quem tem os educandos inscritos em escolas privadas.

Sem direito a livros gratuitos, pais e encarregados de educação de alunos matriculados nos colégios lamentam o facto de terem de comprar manuais bastante caros, fora do circuito do Ministério da Educação, e com algumas diferenças em termos de conteúdo.

Por essa razão, dizem, nem conseguem recorrer ao paralelo para a aquisição de livros.

Em defesa da casa, o presidente da Associação Nacional do Ensino Particular (ANEP), António Pacavira, pede o apoio do Ministério da Educação (MED), no que à produção de manuais para o ensino primário diz respeito.

Diz haver disponibilidade das escolas privadas para poderem negociar com as autoridades a compra dos livros da Reforma Educativa, na base de um preço justo, uma vez que a gratuitidade só abrange o ensino público.

A Lei de Base n.º 17/16 estabelece que “apenas as crianças matriculadas no ensino público têm direito a manuais gratuitos, medida que exclui as escolas do ensino privado”.

António Pacavira lamenta a situação das instituições do ensino privado e avança que, há quatro ou cinco anos, recebiam do MED material destinado aos alunos do ensino primário.

Para o responsável, devido à melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem, há necessidade de se uniformizarem os conteúdos dos manuais, razão pela qual considera ser tarefa do Estado produzir maior volume de livros.

As instituições privadas recorrem, anualmente, à Plural Editores para a produção de materiais que chegam às mãos dos encarregados de educação a preços exorbitantes.

Têm, ao todo, mais de um milhão de alunos, maioritariamente no ensino primário. Para atender à demanda, carecem, anualmente, de quase cinco milhões de manuais.

Com a ajuda ou sem ajuda imediata do Estado, a certeza é que, dentro de dias, as escolas públicas e privadas terão de encontrar soluções para distribuir manuais escolares.

Até lá, fica em aberto a questão que, há anos, não encontra resposta: Quem sairá vencedor nesse combate nas ruas, entre autoridades e vendedores ilegais de livro?

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